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Dioceses da Guarda e de Sumbe reforçam caminhos de cooperação missionária

A relação entre as dioceses da Guarda (Portugal) e de Sumbe (Angola) tem vindo a consolidar-se ao longo dos últimos anos, através de experiências missionárias, intercâmbio de sacerdotes e projetos educativos. Neste momento, vive-se uma nova etapa de cooperação, com o trabalho do bispo emérito da Guarda, D. Manuel da Rocha Felício, que se encontra em Angola desde abril de 2025.

O objetivo principal da sua missão é reativar o Centro Missionário D. João de Oliveira Matos, inaugurado em 2012 pela Diocese da Guarda e confiado à Liga dos Servos de Jesus. Este centro, localizado na Quilenda, foi durante vários anos dinamizado pelas Irmãs da Liga dos Servos de Jesus, até ao seu regresso a Portugal em 2021.

Em diálogo com o Bispo de Sumbe, D. Manuel da Rocha Felício tem procurado relançar a missão, respondendo aos novos desafios da Igreja local, nomeadamente no acompanhamento da Escola Católica D. João de Oliveira Matos e na criação de uma Escola Teológica para leigos e ministérios. Paralelamente, reforça-se a ligação entre os dois presbitérios: três sacerdotes do Sumbe iniciaram colaboração pastoral na Diocese da Guarda, ao mesmo tempo que se abrem perspetivas para programas de voluntariado missionário com jovens e leigos da Guarda.

Em carta-testemunho, D. Manuel partilha a sua experiência destes cinco meses em Angola, marcada pela vida comunitária junto dos missionários da Boa Nova, pelas dificuldades próprias do terreno e, sobretudo, pela esperança que nasce de uma Igreja viva, em crescimento e com forte sentido missionário. Sublinha ainda o dinamismo vocacional da Diocese de Sumbe, que conta com quatro seminários cheios e recentemente ordenou 28 novos sacerdotes.

A cooperação entre as dioceses da Guarda e de Sumbe, que já conta com mais de uma década de história, renova-se, assim, com novos caminhos de comunhão e partilha missionária.

Texto integral de D. Manuel da Rocha Felício, Bispo emérito da Guarda

Dioceses da Guarda e de Sumbe (Angola)

Caminhos de cooperação

+Manuel da Rocha Felício

1.Há 5 meses em Angola

Cheguei a Angola no mês de abril, depois de a Diocese da Guarda, receber o seu novo Bispo e meu sucessor, em 16 de março.

Vim com mandato (ndr. “com conforto”) do meu sucessor para tentar reativar um Centro Missionário aqui inaugurado pela Diocese da Guarda, através da Liga dos servos de Jesus, no ano de 2012.

Logicamente que a primeira iniciativa foi a de dialogar com o Bispo Diocesano local e seus serviços pastorais.

Desde a primeira hora, o Bispo Diocesano disse-me o que pretende do funcionamento deste Centro Missionário, no momento atual. Comunicou-me que deseja valorizar e acompanhar devidamente a Escola Católica D. João de Oliveira Matos, que funcionou sempre desde o seu início, em 2013, embora com contingências impostas sobretudo pela pandemia.

Disse-me que deseja criar uma outra escola, denominada “Escola Teológica”, para leigos e ministérios e que, no seu horizonte, está o aprofundamento da cooperação entre duas Igrejas irmãs – da Guarda e do Sumbe. Eu sugeri que, assim como a Escola Primária recebeu o nome do Venerável D. João de Oliveira Matos, esta se venha a chamar  Escola Dr. Alberto Dinis da Fonseca e dei as razões. 

2.A relação entre estas duas Igrejas irmãs, com história

Em 2012, a Diocese da Guarda, através da Liga dos Servos de Jesus, inaugurou aqui um Centro Missionário denominado D. João de Oliveira Matos, evento em que eu tive a graça de participar enquanto Bispo da Guarda. A escolha do local e o processo de construção do Centro Missionário desenro-laram-se desde o ano de 2009, com a presença de três Irmãs da Liga dos Servos de Jesus, que viviam na Gabela, apoiadas pelos Sacerdotes Missionários da Boa Nova e escolheram o Quilenda para sediar este serviço missionário.

Até ao ano de 2021, manteve-se a comunidade das Irmãs da Liga dos Servos de Jesus, com alargado programa de cooperação pastoral, principalmente no âmbito da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima da Quilenda. Em 2021, essencialmente pelos constrangimentos impostos pela pandemia, a comunidade das Irmãs regressou a Portugal.

Entretanto, já se desenvolvia outra frente de cooperação entre estas duas dioceses, pois em 2017, recebi, na Diocese da Guarda, um sacerdote da Diocese de Sumbe para colaborar na pastoral paroquial e, ao mesmo tempo, frequentar a Universidade de Salamanca, onde concluiu o grau da licenciatura em Direito Canónico. Por sinal, esse sacerdote foi, há poucas semanas, nomeado Vigário Geral desta Diocese. Também em 2024, sendo eu ainda o Bispo da Guarda, recebi um outro sacerdote desta Diocese de Sumbe, para colaborar connosco, a título de cumprimento de ano sabático. Em abono da verdade, podemos dizer que este sacerdote fez uma boa adaptação e desenvolveu bom trabalho pastoral e, fruto de contactos do novo Bispo da Guarda com ao Bispo de Sumbe, no passado dia 10 de agosto,  foi anunciado pelo mesmo Bispo de Sumbe que este continuará na Diocese da Guarda, acompanhado de mais dois sacerdotes seus colegas de Presbitério.

É neste contexto que cabe situar a minha vinda para Angola e com o objetivo de não só reativar os serviços do Centro Missionário D. João de Oliveira Matos, mas colaborar no aprofundamento da cooperação e comunhão entre estas duas Igrejas irmãs- a da Guarda e a de Sumbe.

3.Possíveis caminhos de cooperação

Esta cooperação, como ficou dito, tem já a sua história, com vários passos dados, quer da parte da Guarda, quer da parte de Sumbe. Há que aprofundá-los agora.

Assim, por um lado dentro deste projeto de cooperação, temos de saudar e valorizar o envio de três sacerdotes do Presbitério de Sumbe para a Diocese da Guarda.

Por sua vez, a Diocese da Guarda, através da Liga dos Servos de Jesus, dispõe de condições logísticas muito boas para apostar em programas de voluntariado missionário. Até agora só encontrei por aqui um exemplo  desta prática bem programado e organizado, que pode servir de inspiração para iniciativas do género, a programar pela Diocese da Guarda. Por sua vez, a Escola Católica com o nome de D. João de Oliveira Matos e que, no público, aqui é mais conhecida por Escola D. João, pode ser uma outra via de cooperação a desenvolver, assim como a” Escola Teológica”, para leigos e ministérios, criada por decreto do Bispo Diocesano local para funcionar nas instalações do Centro Missionário.

4.Como vivi estes 5 meses de presença em Angola

Não vivo na residência deste Centro Missionário, que está preparada para receber quem for enviado; o que tem criado alguma admiração nas pessoas. Também não vivo na Paróquia onde está sediado o mesmo Centro missionário. Vivo, por opção pessoal, a 30 Km. de distância, numa comunidade de sacerdotes da Sociedade Missionária da Boa Nova. Partilho diariamente com eles a vida de oração e de refeições e também algumas iniciativas pastorais e desloco-me praticamente todos os dias para esse Centro Missionário, na Quilenda. E tenho sorte, porque a única estrada sem defeitos que praticamente até agora encontrei em Angola foi esta, toda devidamente asfaltada e sem buracos. É também o único percurso em que eu me atrevo a conduzir o Jeep; sim, porque, nesta Angola profunda em que me encontro, as deslocações, só de Jeep. Sinto que esta comunidade de sacerdotes me tem ajudado, nas relações diárias, em tempos de refeições, de oração e de diálogo sobre os assuntos da Paróquia e  sua organização, como também sobre a Diocese e sobre o país onde me encontro, como igualmente nas suas maneiras muito próprias de olhar para os assuntos da Igreja universal. Vou-me inculturando, quase sem dar conta, embora não sem algumas dificuldades, o que não é de estranhar. Vou, assim, afinando alguns critérios para entender e avaliar a realidade humana e social com que diariamente me confronto. Há, de facto, um espírito de missão que eles respiram, com o qual contagiam a Paróquia que lhes está confiada e que a mim me faz bem.  Posso dizer que me sinto confortado com o ambiente que aqui encontrei, apesar de ser eu o único com cultura importada, no grupo. Dou conta de que o ambiente que aqui vivo já está a ser uma mais valia para as iniciativas do Centro Missionário que aqui me chamaram

5.Porque vim para Angola

No ano de 2019, quando perfazia o 15º ano de serviço episcopal na Diocese da Guarda, escrevi uma carta ao Papa Francisco a pedir-lhe resignação das funções de Bispo da Guarda, antecipando, assim, em três anos, a data prevista no Direito Canónico. Nela, eu dizia ao Papa que gostava de dedicar o tempo de vida que Deus ainda entendesse por bem conceder-me à missão “ad gentes”. Não lhe fazia propostas concretas, mas disponibilizava-me para colaborar em territórios estrangeiros de língua e cultura portuguesas. Também lhe acrescentava que esse era o momento indicado para o virar de página na pastoral da Diocese da Guarda e explicava porquê. Logo a seguir, mudou o Núncio Apostólico em Lisboa e, no ano seguinte, veio a pandemia, que tudo condicionou.

Quando, em 16 de março passado, a Diocese da Guarda recebeu o meu sucessor, logo me disponibilizei para, com mandato da Diocese, através do seu novo Bispo, vir para Angola com o objetivo de, em diálogo com o Bispo local e seus órgãos pastorais, ajudar a reativar, da melhor maneira, os serviços pensados e efetivamente inaugurados neste Centro Missionário, no ano de 2012. O meu sucessor, depois de fazer as consultas necessárias, deu-me esse mandato e, menos de um mês depois, cheguei a Angola. Claro que não vim às cegas, mas procurei os Padres Missionários da Boa Nova, preparei esta vinda, incluindo o acolhimento que agora aqui efetivamente encontro.

6.Como ocupei estes 5 meses

Tenho ocupado este tempo de presença na Angola profunda onde me encontro para fazer vários contactos sobretudo com o Bispo Diocesano e seus responsáveis pelos serviços pastorais; também com a Paróquia onde está sediado o Centro Missionário, bem como com outros sacerdotes e seus mais diretos colaboradores. E uma das primeiras constatações que vou fazendo é que o modelo de Missão tem por aqui evoluído muito. As missões tradicionais, criadas a partir de fora e a funcionarem sob responsabilidade de missionários estrangeiros, tendem para acabar. Tendencialmente são transformadas em Paróquias e entregues ao clero autóctone, que já é muito em número e com tendência para crescer. Dou como exemplo a celebração conjunta da Ordenação Sacerdotal de 28 novos padres, em que participei, no passado dia 10 de agosto, todos para o Presbitério desta Diocese. Não admira, por isso, que, logo no final da celebração, o Bispo Diocesano tenha anunciado  que ia enviar em missão, para fora da sua Diocese, doze dos seus padres. Igualmente facto digno de nota é que esta Diocese tem quatro seminários a funcionar, todos cheios de seminaristas e com candidatos em lista de espera.

7.E dificuldades que tenho notado

Também se encontram por aqui dificuldades colocadas ao anúncio do Evangelho e à vivência da Fé.

Assim, os seminários aqui ainda são uma forma de promoção cultural para os jovens seminaristas. Por sua vez, os sacerdotes continuam a ser solicitados para, com a bagagem cultural que trazem dos seminários, poderem desempenhar serviços essenciais para a vida das comunidades, como de professores  e não só.

Situações como estas obrigam os responsáveis pela formação a acompanhar muito de perto o discernimento vocacional e o exercício do próprio Ministério, para distinguir as razões válidas do Ministério Sacerdotal daquelas que o podem adulterar.

Também sinto que as estruturas diocesanas têm alguma dificuldade em garantir a manutenção destes quatro seminários. Mas tenho verificado muita generosidade das comunidades cristãs, sobretudo com suas ofertas em géneros. Praticamente o abastecimento dos seminários é feito com ofertas desta natureza.

Outra dificuldade que aqui encontro são não só as distâncias entre comunidades da mesma Paróquia mas  principalmente o mau estado dos caminhos. Como disse, só de Jeep podemos aqui deslocar-nos, para alguns lugares só de motorizada e para outros lugares só a pé. Dou um exemplo. Há algumas semanas, participei numa sessão de formação de catequistas em que pelo menos três, para estarem presentes, tiveram de fazer seis horas de caminho a pé e outro tanto tempo lhes levou o regresso. A esta dificuldade é preciso acrescentar que, durante o tempo das chuvas (mais ou menos metade do ano) os caminhos ficam intransitáveis e as comunidades entregues somente aos catequistas locais.

Uma outra dificuldade, que, todavia, pode ser transformada em oportunidade pastoral, é constituída pelas muitas seitas e outras comunidades cristãs não católicas que se multiplicam nestes ambientes. Isto obriga as comunidades a investir na formação e no acompanhamento dos seus fiéis. Claro que também se oferece a oportunidade de promover diálogo ecuménico, que, devo acrescentar, ainda não notei muito concretizado.

Também na sociedade angolana, que apresenta muitas carências e sinais de pobreza bem visíveis, não falta a tentação do consumismo e de colocar o material à frente de tudo. E os efeitos fazem-se sentir principalmente no absentismo, sobretudo das camadas jovens.

As relações da Igreja com os poderes públicos, neste momento, podem considerar-se boas. Isto muito embora haja sinais de que a Igreja é vista como uma força social que é preciso travar, para não fazer sombra à hegemonia da administração pública.

O facto, porém, é que, nestas datas celebrativas do cinquentenário da independência nacional, multiplicam-se os sinais de boa relações e dou como exemplo o facto de o Governo ter incluído dois Bispos no número dos condecorados.

18 de setembro de 2025