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Papa Francisco e a inteligência artificial

Preocupações deixadas aos G7

O Papa Francisco, a convite da Primeira Ministra de Itália, fez uma comunicação aos representantes dos sete países mais ricos do mundo (G7) sobre inteligência artificial, na cimeira que ocorreu há uma semana.

O Papa, retomando preocupações nele bastante recorrentes, nos últimos tempos, começou por lembrar que a inteligência artificial se insere no número das muitas ferramentas inventadas e utilizadas pelos humanos ao longo da História. Só que esta ferramenta é incomensuravelmente mais sofisticada do que todas as anteriores; e, por isso é muito mais desafiante como também impõe respeito e mesmo algum medo.

A inteligência artificial democratizou o acesso ao conhecimento  e impulsiona significativos avanços na investigação científica, isso é verdade; mas pode gerar injustiças, fazendo crescer o fosso entre ricos e pobres e, consequentemente, prejudicar a desejada cultura do encontro, entre indivíduos e culturas, um desígnio que tem de ser cada vez mais o de toda a humanidade.

Enquanto ferramenta, ela é de natureza instrumental e, portanto, em si mesma nem é boa nem é má; isso depende de quem a utiliza e como a utiliza. Impõe-se, assim, a liberdade e a responsabilidade do utilizador, o único que nela pode introduzir a componente ética. E, de facto, é tanto mais urgente acordar princípios básicos de ética aplicável a esta ferramenta, quanto sabemos que, a partir de determinados patamares, ela pode utilizar dados e fazer escolhas técnicas independentemente da intervenção humana imediata,  até pôr em causa a sobrevivência da própria humanidade.

Claro que estas escolhas técnicas em nada se podem comparar com as decisões que, em liberdade e com responsabilidade, os humanos e só eles podem tomar; e que envolvem sempre uma sabedoria que é mais do que somatório de conhecimentos e, por isso, o próprio Papa a chama sabedoria do coração.

Estas decisões dos seres humanos sobre si próprios, sobre a sua vida e a dos outros, sobre o futuro da sociedade e da humanidade enquanto tal nunca podem ser substituídas pelas escolhas técnicas da máquina. Por isso, é necessário criar espaço próprio  para o ser humano controlar as máquinas e as escolhas que elas podem fazer. Por exemplo, não se pode permitir que as máquinas, sem controlo humano, possam desencadear as chamadas “ bombas letais autónomas”.

Ora, se é verdade que desde sempre os seres humanos criaram ferramentas para seu uso, mas também passaram a ser influenciados por elas, agora ainda é mais verdade que as novas ferramentas continuam a condicionar o ser humano e com o risco acrescido de, em certos casos, o poderem substituir.

Na verdade, a inteligência artificial  foi criada para resolver problemas ao ser humano e, em muitos casos, isso está a acontecer. A este pertence agora criar as condições éticas para que não aconteça o contrário.

Assim, somos, pela positiva, surpreendidos por aplicações computorizadas capazes, por exemplo, de, sobre determinado tema, comporem textos  ou imagens em tempo record, tendo em conta os dados existentes. E também não surpreende a tentação de encomendar à máquina trabalhos que deviam ser feitos pelos humanos, sobretudo na sua  fase da aprendizagem.

Até se fala, a este propósito, de inteligência artificial generativa. Mas, na realidade, a inteligência artificial não é generativa, no sentido de criar algo de novo. É capaz, isso sim, de, com superior rapidez, recolher dados pré-existentes e organizá-los segundo formas também elas atempadamente programadas.

Sendo um potencial muito elevado,  a inteligência artificial pode ser instrumentalizada para fins perversos, como, por exemplo, fortalecer o domínio de culturas já por si dominantes sobre as outras  ou ceder à tentação de ajustar a verdade dos factos aos interesses de alguns, como acontece nas falsas notícias (fake news) ou quando divulga leituras deturpadas da realidade e assim dificulta ou impede a verdadeira educação das pessoas. Sim. porque a educação em si mesma é mais do que o acesso ao conhecimento, devendo habilitar o educando com o hábito e a prática da reflexão pessoal. Porém, a informação desonesta ou simplesmente errada, no mínimo, complica o processo educativo.

Tudo isto exige um propósito de ética que coloque no centro a pessoa humana, com toda a sua dignidade e que os programa da inteligência artificial se orientem sempre para o bem total de cada ser humano e de todos eles; enfim, que as escolhas técnicas da máquina nunca se sobreponham à tomada de decisões que só aos seres humanos pertence, de forma ajustada ao seu bem e ao bem de todos.

E agora, que pedir à ação política?

Sabendo nós que este propósito de ética, regulador da inteligência artificial, tem de ter em conta contributos vindos  das mais diferentes procedências, como são as culturas, as religiões e as organizações internacionais, principalmente aquelas que, de facto, já são fatores-chave no desenvolvimento global, para o promover e colocar na direção certa é necessário e urgente o contributo da ação da política.  Só uma política verdadeiramente sã, envolvendo o máximo de atores e de ideias, é capaz de lidar com os desafios e as promessas da inteligência artificial.

A sua intervenção nunca pode ser para travar a criatividade humana e os seus ideais de progresso, mas sim para orientar as potencialidades e as energias desta nova ferramenta pelos devidos caminhos.

E referimos, a propósito, para terminar, uma matéria muito condicionante da vida comum das pessoas, que é a economia e que o Papa também abordou. Da ação política  depende, em termos decisivos, que a inteligência artificial faça funcionar uma economia de rosto verdadeiramente humano, em que a produção e a distribuição da riqueza cumpram os desígnios da justiça, para serviço do bem comum.

Agradecemos ao Papa Francisco esta sua intervenção sobre matéria tão importante para a vida comum das pessoas, como é a inteligência artificial e as preocupações que deixou aos governantes dos países mais ricos do mundo.

19.6.2024

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda