1. Iniciámos os 40 dias de preparação para a Páscoa em Quarta-feira de cinzas.
São quarenta dias em que queremos aplicar, na nossa vida pessoal e também de relação comunitária aquela pedagogia que a Igreja na sua sabedoria bimilenar nos recomenda, a saber:
1) a oração mais intensa;
2) a penitência, incluindo o espírito de renúncia;
3) o jejum e a abstinência.
A Quaresma que estamos a viver é também especial por ser a Quaresma do Jubileu Ordinário da Salvação. Na Bula com que proclamou este Jubileu, o Papa Francisco convida-nos a ser peregrinos da Esperança, porque a esperança, como diz o título dessa Bula, não engana e a nossa vida é sempre peregrinação, um caminho conjunto para a meta do Reino, onde Deus nos aguarda de braços abertos.
Como diz o Evangelista São Lucas, Jesus, imediatamente após o seu batismo, nas margens do rio Jordão, conduzido para o deserto pelo Espírito, aí jejuou durante 40 dias e 40 noites. E depois foi tentado por Satanás.
De facto, as tentações de Jesus são também as nossas tentações. Se não, vejamos:
1. A tentação do Pão; pão, que, sem dúvida é importante e necessário, pois sem alimento físico não podemos viver. Todavia, há valores mais altos, esses que precisam de ser os que comandam a nossa vida, “porque não só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus”,
2. A tentação do poder, que, de facto, seduz continuamente as pessoas: “Tudo isto de darei se prostrados me adorares”. A resposta tem de ser sempre o “só a Deus adorarás e só a Ele servirás”.
3. A tentação da religião, ou seja querer colocar Deus ao nosso serviço, quando na verdade só a Ele temos o dever de servir. Ceder a esta tentação é, de facto, tentar o Senhor nosso Deus, como responde Jesus.
A Quaresma é um tempo especial para cada um de nós revisitar o seu percurso de vida, a sua história e fazer exame de consciência sério diante de Deus.
Lembra-nos o livro do Deuteronómio o dever religioso de apresentar a oferenda no altar do Senhor.
E essa também é a ocasião certa para cada um lembrar a sua história pessoal integrada na história do Povo a que pertence. Na realidade a história pessoal, mas também a comunitária é o lugar onde Deus fala e atua para nos conduzir pelos melhores caminhos. A nós pertence discernir os sinais de Deus e os caminhos que por eles nos são apontados e segui-los com determinação. Nenhum de nós pode fazer esse discernimento sozinho, mas só com a ajuda dos outros, porque Deus fala sempre através do outro, com a ajuda da luz do Espírito Santo.
E todos precisamos de nos ajudar uns aos outros na caminhada conjunta através da história. Estamos a falar na Caminhada Sinodal que o Sínodo sobre a sinodalidade nos lembra e nos recomenda.
A Quaresma há-de servir para fazermos revisão de vida, à luz do apelo que nos é feito para, todos com todos, identificarmos os melhores caminhos e nos ajudarmos mutuamente a percorrê-los.
E para isso, nesta Quaresma, queremos dar um lugar especial à escuta da Palavra de Deus.
Como nos lembra o apóstolo Paulo, na carta aos Romanos, que acabámos de ouvir, a Palavra de Deus precisa de entrar em cada um de nós pelos ouvido, descer ao coração para depois, com convicção, chegar à boca e à prática das boas obras. Este é o verdadeiro percurso da salvação que desejamos experimentar e aprofundar ao longo da Quaresma.
3. Tendo no horizonte a celebração da Páscoa principalmente no Tríduo Pascal, a Quaresma convida-nos de facto a rever a nossa relação com Deus; a rever como fazemos oração, que não se trata de ser só mais intensa, no sentido de ser mais frequente, mas sobretudo de ser ou não aquele diálogo contínuo com Deus, na relação de amor que precisamos de aprofundar sempre mais. Não aconteça que a oração também para cada um de nós passe a ser uma relação negocial, precisamente aquela tentação que Jesus rejeitou liminarmente com o “não tentarás o Senhor teu Deus”.
A Quaresma é tempo especial de penitência. Penitência que não pode ser apenas o sacrifício ou mesmo o deixar de fazer pecados; mas tem de ser a mudança de mentalidade, sobretudo o progredir na capacidade de olharmos o mundo e a nossa pessoa à luz de Cristo e do Evangelho, e a partir daí, tomarmos, com a necessária coerência, as nossas decisões.
Quando falamos em jejum e abstinência, não podemos ficar pela atitude de não comer. Mas trata-se de reconhecer que o comer não é um fim em si mesmo, mas meio para chegarmos mais alto, pois “não só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus”.
E a Palavra de Deus diz-nos que o alimento como os bens criados em geral são dom do alto, não criação nossa e são para todos, não só para alguns. Daí o sentido da renúncia que cada um de nós é chamado a fazer e aprofundar particularmente na Quaresma.
Terminamos pedindo a especial bênção de Deus para que esta Quaresma Jubilar seja por todos vivida intensamente.
+Manuel da Rocha Felício
09.03.2025