1.Celebramos hoje o III Domingo da Quaresma, que, com os outros dois que se lhe seguem, o IV e o V, constitui o núcleo central deste tempo santo, que nos prepara para a Páscoa.
Somos convidados, nestes três domingos e respetivas semanas, a rever a nossa vida de discípulos de Jesus Cristo.
Interrogamo-nos, por isso, sobre as formas como estamos a procurar aplicar o estilo de vida de Jesus, em nós próprios e na Igreja; e também sobre o seus efeitos no próprio mundo de que fazemos parte.
Temos consciência, com muitas outras pessoas de boa vontade, de que Jesus e a Sua Mensagem continuam a ser decisivos para as pessoas viverem bem a sua vida e se organizar da melhor maneira a vida em sociedade.
Todavia, apesar dos 2 mil anos de Cristianismo na História e em particular na história deste nosso mundo ocidental, as coisas não parecem estar a condizer, a avaliar por tantos conflitos, tantas injustiças, tantos erros cometidos e tantas mentiras propaladas como verdades que comprometem seriamente o bem estar e a vida digna de muitas pessoas, a começar pelos mais desfavorecidos, os mais vulneráveis
2.É para esses mais vulneráveis, os mais débeis que se orienta a nossa atenção no dia de hoje, o Dia Nacional da Caritas. Nele queremos, por um lado, despertar a nossa responsabilidade pessoal para cuidarmos bem uns dos outros; por outro, a responsabilidade das comunidades para saírem ao encontro daqueles que mais precisam de apoio. Este apoio pode fazer-se de forma mais organizada ou mais espontânea, o importante é que se faça.
Desejo, a esse propósito, dar os parabéns ao grupo Caritas desta Paróquia de Seia, que, de facto, constitui um dos bons exemplos que temos a funcionar na Diocese. E eu estou aqui hoje também para dar graças por este importante serviço paroquial organizado.
O que todos desejamos é que cada comunidade cristã sinta e viva a dinâmica do amor que transforma; porque, de facto, só a amor verdadeiro traz para as pessoas o desejado bem estar, como também só o amor transforma as suas atividades para serem construtoras de um bem maior para si mesmas e para os outros.
O gesto de entregar à rede Caritas Nacional o ofertório dominical de hoje queremos que seja tão só um sinal da nossa entrega pessoal à grande causa de oferecer a todos condições de vida digna.
3.Este é o caminho que Jesus nos aponta.
No Evangelho de hoje, Ele apresenta- se como sendo o verdadeiro templo de Deus. Sim, porque Jesus, ao expulsar os vendilhões do Templo de Jerusalém e ao lembrar-lhes que a casa de Deus Pai não é casa de comércio, pretende dizer-nos que o verdadeiro sinal da presença de Deus no meio do nosso mundo é a Sua Pessoa. E para nós a verdadeira liturgia, entendida como louvor de Deus, é repetirmos hoje os seus gestos de há dois mil anos, que foram sempre gestos de amor e de misericórdia.
A verdade, porém, é que o mundo não entendeu este sinal e, por isso, deu-lhe a morte e morte de cruz. Mas, três dias depois, esse Templo da Sua Pessoa foi reconstruído pela Ressurreição.
Jesus é, assim, a verdadeira habitação de Deus no meio do mundo, pelo Mistério da sua Encarnação, e nós estamos vocacionados para ser também habitação de Deus, a partir do Batismo; e com mandato para continuar a manter no mundo devidamente acesa a chama da novidade do Evangelho e sua força de renovação.
É principalmente sobre este mandato recebido de Cristo para evangelizar que, enquanto seus discípulos, temos de nos interrogar, em revisão de vida, durante o núcleo da Quaresma, que este domingo inicia.
De facto, anunciar o evangelho é nossa obrigação, a começar pelo testemunho da vida pessoal, completando-o com as atitudes e as palavras mais adequadas para transmitirmos a outros esta mesma novidade, nas circunstâncias concretas da nossa vida e da vida do mundo. E também o é das comunidades cristãs.
4.Como é que este mandato se cumpre em cada momento e em cada lugar da história e do mundo?
Este como tem de ser objeto continuado do discernimento no Espírito Santo em cada comunidade, com a participação de todos os seus membros. Trata-se de conjuntamente procurarmos definir os caminhos da vivência do Evangelho e as formas da sua comunicação, com a máxima participação de todos, dentro daquele processo que chamamos caminho sinodal; e, depois, caminharmos juntos, em verdadeira sintonia de vozes e de esforços, para que o Evangelho de Jesus deixe de ser letra morta e passe a ser proposta viva e vivida na Igreja e no mundo de hoje.
Neste processo que chamamos caminho sinodal, os pastores têm papel importante e próprio a desempenhar, mas sem tirarem lugar e vez aos os outros membros da comunidade. Pertence-lhes, segundo o modelo do único Bom Pastor Jesus Cristo, motivar todos aqueles e aquelas que lhes estão confiados, acompanhar, esclarecer, formar para a abertura dos espíritos às inspirações do Único Espirito Santo. E, depois de todos participarem, compete-lhes assumir o serviço da autoridade, dizer por onde é o caminho e segui-lo, em caminhada conjunta, umas vezes à frente, para o abrir, outras vezes a meio para motivar, outras vezes atrás para ajudar os que vão mais cansados.
Importante é que ninguém fique de fora, à margem deste processo de vida comunitária, mas sempre integrado e a participar, de acordo com as suas competências e responsabilidades.
5.Continuamos a ser interpelados pelo Sínodo sobre a sinodalidade para fazer este caminho.
E somos agora chamados a dar o nosso contributo para a segunda sessão deste Sínodo aprazada para outubro próximo, através de respostas dadas, em grupo, sobre pontos mais importantes definidos na sua primeira sessão, como, por exemplo, a responsabilidade dos leigos na obra da evangelização e na vida da Igreja, a dos diáconos, a dos sacerdotes, o lugar das mulheres na Igreja e também sobre os conselhos pastorais enquanto instrumentos de sinodalidade. É bom identificarmos bem se temos os que precisamos, se precisamos de outros e como é que funcionamos com eles.
Já pedimos, por isso, a todos os Párocos que, com os seus mais diretos colaboradores, respondam a este pedido e também já lhes está dito para onde devem ser encaminhadas as respostas
6.A responsabilidade de evangelizar que pertence a todo o discípulo de Cristo, tem, no mundo de hoje e nas atuais circunstâncias, condicionamentos próprios.
Um deles é que os mundos das nossas terras já foram evangelizados e o Evangelho aparece, de facto, com muitos sinais nas tradições das pessoas e das comunidades. Basta lembrarmos as tradições quaresmais. Mas é grande o número dos que se afastaram da prática do Evangelho e mais em particular das orientações da Igreja, chegando mesmo a declarar-se fora dela quem está batizado.
Esta é para nós uma dificuldade acrescida, pois sendo os valores do Evangelho decisivos para vida das pessoas e da própria sociedade, a sintonia com a Igreja desapareceu em algumas camadas de pessoas, tendência esta que é estimulada pelo princípio da laicidade da vida pública, que em si mesma está de acordo com o Evangelho, mas obriga a rever muitas formas de pensar e viver a Fé, que nos vêm do passado e das suas tradições.
7.Assumindo o sentido das nossas limitações e erros pessoais e também da vida da Igreja, precisamos de nos voltar cada vez mais para o anúncio do Evangelho, mesmo e sobretudo quando este anúncio põe em causa práticas correntes contrárias ao bem das pessoas e da própria sociedade.
É certo que hoje, como acontecia com os judeus e os gentios do tempo de Jesus, uns pedem milagres outros pedem sabedoria nova. E nós, em sintonia com o Apóstolo, queremos antes de mais anunciar a Pessoa de Jesus, que pela surpresa da cruz, continua a ser escândalo para uns e loucura para outros, mas para todos é essa sabedoria nova capaz de abrir ao mundo os caminhos da paz e do verdadeiro progresso, que, como diariamente verificamos, é o que mais faz falta.
8.A Terminar quero chamar a atenção para uma proposta anual que desde o início do seu Pontificado, o Papa Francisco ( e já lá vão 11 anos, completados este mês de março) anualmente nos tem feito, que são as chamadas “24 hora s para o Senhor”. Estas 24 horas têm sido colocadas invariavelmente nos dias que antecedem o IV Domingo da Quaresma, marcado pela nota da alegria. Este ano, coincidem com os dias 8 e 9 do corrente mês, portanto a próxima sexta-feira e o próximo sábado.
O convite do Papa é para uma vigília, um tempo de adoração ao Santíssimo Sacramento e para a celebração do Sacramento da Confissão, oferecendo aos fiéis e outras pessoas menos familiarizadas com a prática cristã tempos de Igreja aberta para acolhimento e oração. De facto, o perdão é fundamental nas nossas vidas, mesmo sabendo nós das dificuldades, quer no reconhecimento das nossas faltas para as quais precisamos do perdão, quer quando somos chamados a perdoar as faltas dos outros.
Ora, perante esta proposta do Papa Francisco, reconhecemos que nem todas as Igrejas podem estar abertas durante essas 24 horas seguidas, mas, onde for possível, vamos fazer esforço e mesmo o necessário sacrifício para oferecer a todos esta possibilidade, se não for durante o tempo completo das 24 horas, durante o que for possível.
A pauta dos 10 mandamentos para a qual hoje nos chama a atenção a leitura do Livro do Êxodo, continua a ser um bom instrumento para avaliarmos em que medida estamos a ser fiéis ou não à Aliança com o Senhor.
Vamos procurar voltar lá, sobretudo nos tempos mais fortes de revisão de vida, como este das 24 horas para o Senhor.
3 de março de 2024
+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda