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Reflexão episcopal por ocasião da ordenação diaconal

DOMINGO XII do TEMPO COMUM

(22 / Junho / 2025)

HOMILIA

«E vós, quem dizeis que Eu sou?»

Como então fez com os discípulos, Jesus põe-nos hoje diante desta tomada de posição. O seguimento — o discipulado — de Jesus não é um automatismo, nem uma mera inspiração; exige uma tomada de posição, uma resposta que compromete.

Perante a resposta de São Pedro, Jesus aprofunda essa realidade: seguir Jesus é deixar de se autogarantir, deixar de viver na lógica da busca autorrealizadora (“salvar a sua vida”). É entrar no mundo novo de Jesus: renunciar a si mesmo para ser dom até ao fim, entregar a vida para que ela seja renovada a partir de Cristo.

Aqui quero enraizar a meditação sobre o tesouro do diaconado, que hoje aqui nos reúne em acção de graças.

Em primeiro lugar, o diaconado é uma vocação de vida; concretiza um modo de viver o discipulado de Jesus:

“Todos vós sois filhos de Deus, porque todos vós fostes […] revestidos de Cristo. […] Todos vós sois um só em Cristo Jesus. […] pertenceis a Cristo.”

É no horizonte da vocação primeira — baptismal — à filiação divina (por adopção) e à incorporação em Cristo que ele se compreende.

A primeira aproximação ao diaconado não deve ser aquilo que o distingue, mas a consciência de que ele será, para quem o recebe, a modalidade de viver aquilo que tem de comum com todos: ser povo de Deus, ser discípulo missionário, ser comunhão, caminhar como corpo.

Em segundo lugar, o diaconado é um sacramento: é uma manifestação, aqui e agora, do mistério do amor de Deus revelado em Jesus Cristo. Ele não aponta para o ministro, mas convida a olhar para o Senhor, a reconhecer a misericórdia d’Aquele que Se deixou trespassar por nós e transformou essa rejeição em

“nascente para a casa de David e para os habitantes de Jerusalém, a fim de lavar o pecado e a impureza”.

Aqui está a raiz da consagração diaconal: tornar-se sinal e instrumento desta misericórdia de Deus que Se deixa trespassar para comunicar a Vida nova que vem por Cristo.

A transformação ontológica que o carácter sacramental traz não é, como erroneamente se defende ou critica, um aumento de santidade ou de humanidade: é uma transformação na ordem do ser — e não apenas do fazer — para ser portador e dispensador consciente e activo de algumas dimensões da Graça de Cristo, mas nunca dono das mesmas, e muito menos qualquer espécie de encarnação de Deus.

Em terceiro lugar, o diaconado é uma vocação ministerial.

Nas vocações ministeriais, o ponto de partida são as necessidades do Reino de Deus, e não a realização ou felicidade pessoal.

Por isso, não está apto para abraçar este ministério quem ainda não escolheu querer perder a vida, querer renunciar a qualquer projecto pessoal ou de poder, e ainda procura no diaconado uma autorrealização ou um instrumento de transformação histórica das relações sociais.

Não se é diácono porque se gosta ou se quer muito, mas porque o Reino de Deus precisa, a Igreja chama em nome de Deus, e o candidato ganhou liberdade para aceitar ser o que, e como, Deus quiser.

Assim temos de pensar o cuidado dos ministérios na nossa Igreja.

Esta liberdade interior não é uma menorização da pessoa, mas um alargamento: a pessoa não precisa de se preocupar com a satisfação das suas aspirações, porque a justiça do Reino de Deus torna-se aquilo que preenche completamente — e tudo o mais vem daí, por acréscimo.

Como vocação ministerial, o núcleo que a caracteriza é o serviço pascal de Jesus: ser ícone de Cristo Servo, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida.

Sem deixar de ser quem é, esvaziou-Se até à última consequência para nos enriquecer com a Sua pobreza.

O diácono, consagrado para ser sacramento desta realidade, há-de viver aí a sua identidade fundamental. E mesmo que venha a assumir outras configurações no interior do ministério ordenado, esta dimensão permanecerá como aquela que se constituiu como porta de entrada no ministério, traço permanente deste estado de vida eclesial, e fermento convocador para a colegialidade do ministério ordenado e para a corresponsabilidade sinodal de todos os baptizados.

Uma última palavra para a consagração celibatária.

Ela não pertence ao núcleo deste sacramento. Mas foi-se manifestando, ao longo da história da Igreja, como uma daquelas realidades que o Espírito Santo foi ensinando a reconhecer e foi sendo descoberta como muito conveniente ao ministério sacerdotal.

Porque aí, toda esta meditação que temos vindo a fazer sobre o ministério diaconal ganha novos horizontes na configuração sacramental com Cristo Cabeça à maneira do Servo, e com Cristo Pastor à maneira do Esposo.

Por isso, para aqueles que são ordenados diáconos em vista do sacerdócio, o celibato é desde já modo de aprender a ser e a amar, a servir e a gastar-se pelo Reino, como Jesus.

Não tem a ver com poder ou não poder casar.

Não tem a ver com ter ou não ter disponibilidade.

Não tem a ver com saber ou não saber acompanhar.

Tem a ver com abraçar o modo virginal de ser esposo, com as suas polaridades e assimetrias, que Deus escolheu como forma de entrega pelo Reino dos Céus.

Uma última palavra para ti, Ricardo: vais ser ungido pelo Espírito Santo para receberes um espírito de piedade e súplica.

A primeira dimensão recorda-te que a tua condição de diácono estará para sempre enraizada na tua condição de filho.

A segunda lembra-te que não és diácono para ti mesmo, mas para intercederes em favor do povo de Deus e para te consumires elevando até Deus as necessidades desse mesmo povo.

Não de forma abstracta, mas concreta (os que te forem dados, quaisquer que sejam), e abnegada (até ao dom total de ti mesmo).

Rezamos por ti.

E para que outros não levantem obstáculos, mas se entreguem com confiança e grandeza de coração, ao experimentarem o apelo para acolherem este ministério diaconal — tanto na condição de permanente, como na condição de início do futuro ministério sacerdotal.

 

+ José Pereira, Bispo da Guarda

 

foto: Pedro Vilaça