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Reflexão Episcopal: Sexta feira Santa

Jesus morreu de morte violenta às mãos dos malfeitores que se queriam ver livres dele a todo o custo.

Mas, de facto, a morte não lhe foi imposta; foi entrega livre pela grande causa da salvação da humanidade.

É este o Mistério que hoje contemplamos, ao Celebrar a Paixão e Morte de Cristo.

Se não, revisitemos o relato da Paixão.

Vieram para o prender e ele apresentou-se com tal dignidade que os adversários caíram por terra.

Recusou que à violência se respondesse com violência e. por isso, repreendeu Pedro, quando este, com a espada, quis defendê-lo cortando a orelha direita daquele servo  do Sumo sacerdote, que até o nome ficou na memória, Malco.

Sempre com dignidade, apresenta-se no tribunal religioso e, quando lhe batem, pergunta porquê.

Pilatos por três vezes reconhece publicamente a sua inocência, mas não tem coragem para resistir à pressão dos malfeitores, que souberam manipular a multidão e sobretudo quando lhe fazem sentir que o seu lugar poderia ficar em causa, com a ameaça de “se o soltares não és amigo de César”. Ainda fez uma última manobra, tentando apelar à compaixão popular e  mandou-o flagelar e coroar de espinhos e assim o apresentou à multidão no quadro que a tradição passou a chamar do “Ecce homo”; mas não conseguiu e entregou-o para ser crucificado, como queriam os malfeitores.

Jesus leva até ao fim o seu propósito de se entregar até à morte para denunciar a maldade e o pecado que existem no mundo e de abrir caminho para a salvação. Por isso, pôde dizer no alto da cruz “tudo está consumado”, antes de inclinar a cabeça e expirar, como diz S. João. Ainda teve forças para entregar a sua própria Mãe ao discípulo e dizer que é mãe do discípulo e certamente de todos os que ele representa.

Imediatamente depois, uma lança atravessou o seu coração, saindo sangue e água, o que a tradição interpretou como sendo o nascimento da Igreja do lado de Cristo.

Agora, diante da Paixão e Morte do Senhor, perguntamo-nos porquê a morte do justo?

 Nenhum dos dois tribunais que o julgaram encontrou causa de condenação. Mais ainda, por três vezes o juiz do tribunal imperial declarou a sua inocência, perante à multidão.

A primeira leitura que escutámos sobre o Servo de Javé e a Carta aos Hebreus abrem-nos caminho para a resposta.

Jesus, de facto, com o seu sofrimento e a sua morte carrega os pecados da multidão, como lembra o cântico de Isaías e realiza  o único sacrifício redentor, sendo também o único oferente ou sacerdote eterno. Ele é, de facto, o Sumo Sacerdote que penetrou nos céus, como diz a Carta aos Hebreus, mas, antes, quis ser provado em tudo, à nossa semelhança, excepto no pecado. Portanto, passa pelo sofrimento e pela morte, dando-nos a chave de leitura e compreensão para esta dupla realidade profundamente humana e incontornável que é também a do sofrimento e da morte, no mundo.

O Papa Francisco anunciou há dois dias que este ano pretende ser ele próprio fazer os textos da Via Sacra que vai ser celebrada no Coliseu, em Roma, hoje à noite. Habitualmente estes têm sido encomendados. 

E disse que deseja  fazê-lo em atitude de contemplação e oração diante dos sentimentos de Cristo, no caminho do Calvário.

Também nós agora, ao celebrarmos a Paixão e Morte do Senhor, queremos, com a mesma atitude de contemplação e oração, aproximarmo-nos o mais possível do sentir de Jesus, no caminho para o Calvário e na sua Morte, que é indissociável dos dramas da Humanidade.

De facto, a maldade e o pecado, com suas consequências desastrosas, em particular o sofrimento provocado em popula-ções inocentes, continua; e o espetáculo do mundo todos os dias infelizmente nos dá conta desta realidade.

 Jesus veio para denunciar a maldade e o pecado e apontar os caminhos da sua superação; e a sua Paixão e Morte são a última denúncia, mas igualmente anunciam que a resposta está na maneira de hoje vivermos também o sofrimento e a morte, que são realidades incontornáveis na nossa vida e na vida do mundo. 

Mais nos diz que o mal nunca se combate com outro mal; por isso, temos de seguir os caminhos de não violência, como ele fez; e também que, com o seu sofrimento e a sua morte, ele se coloca ao lado dos que sofrem e convida-nos a fazer o mesmo.

E são tantos os que sofrem a nosso lado a dor física ou de outra ordem, uns porque não têm o conforto da família, outros com a surpresa de uma doença grave; são jovens que se sentem defraudados, porque lhes roubaram os sonhos a que têm direito; são idoso que deram tudo de si mesmos à sociedade e agora vivem esquecidos, na solidão e no abandono. Estas são, de facto, as periferias que o Senhor, com a sua Paixão e Morte, nos convida a cuidar, porque nelas é Ele que está a sofrer.

Como ele denuncia, com a sua morte na cruz, a maldade e o pecado, convida-nos a fazer o mesmo, em nós e nos outros e diz-nos também que as suas consequências desastrosas são para ser assumidas e corrigidas pelos autores e com a ajuda dos outros.  Ele próprio quer assumir connosco essas consequências desastrosas, carregando com elas para nos aliviar a nós e nos dizer que o caminho da conversão pessoal e dos outros é o único caminho que dá futuro à humanidade.

Assim, Jesus também abre caminho para que o sofrimento e a morte existentes no mundo deixem de ser pergunta sem resposta e passem a ser vividos com verdadeiro  sentido, sempre voltados para a meta de promover a vida, a vida em plenitude.

Do lado de Jesus saiu sangue e água, cujo simbolismo aponta para a Igreja nascida do lado de Cristo, com seus sacramentos e o mandato para viver e anunciar a grande novidade de que o sofrimento e a morte, incluindo dos inocentes,  têm sempre sentido e não são a última palavra, porque, acima, está a vida que todos desejamos e nos é oferecida de graça. É essa a esperança que a Cruz de Cristo oferece ao mundo inteiro.

O dia de hoje e também o de amanhã convidam-nos a continuar esta contemplação da Paixão e Morte do Senhor,  em silêncio e na oração.

São dias para adorar a Cruz Redentora e parar diante da sepultura do Senhor.

29.3.2024

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda